Vivo a Urgência
Tenho vivido como se estivesse em constante urgência. Não a urgência dos meus tempos de plantonista do Pronto Socorro nem do CTI, dos quais sinto saudade, mas uma urgência serena. Não a urgência apressada, mas uma urgência calma, porém determinada e imperativa. A urgência está no comando. É uma urgência organizada, mas que nem por isso deixa de me despertar pela madrugada.
Vivo a urgência, quanto mais o tempo passa, mais a percebo me abraçando, me envolvendo, me apertando com carinho, me acenando, ei, estou aqui, vamos. Respiro a urgência, ando de mãos dadas com ela, me entrego inteiramente aos seus desejos. Conto os dias, os aprecio minuto a minuto, atenta ao que digo, ao que faço, ao que quero. E, principalmente, atenta à entrega do que verdadeiramente sou.
Vivo a urgência de ser quem eu sou, do que gosto, dessa simplicidade vaidosamente disfarçada que é tão minha, desse apreciar qualquer coisa desde que perceba ali amor e carinho. Vivo a urgência de viajar, de ver cachoeiras, de por os pés na água, de estar com os meus filhos e noras, de abençoar e abraçar meu marido, de dormir noites inteiras, de dizer que amo, o quanto amo, o tanto que amo. Vivo a urgência de deixar de ir, se prefiro ficar. Vivo a urgência da companhia, mas também da solidão.
Vivo a urgência de usar o que me cai bem, de estar leve, de ter flores sobre a mesa, não para que elas me lembrem a brevidade da vida, mas que me lembrem a beleza dela. Vivo a urgência do desejo de desejar, de caminhar com entusiasmo, de trabalhar com esmero, de dizer palavras que despertem alguma inspiração e ânimo em alguém. Vivo a urgência da verdade, desta que trago nos olhos e nos gestos, no corpo que fala e não mente, na mente que não vacila nem se acovarda.
Vivo a urgência de não dizer o que não precisa ser dito, de emudecer palavras desnecessárias, e assim vivo a urgência da compaixão. Vivo a urgência de ter diálogos e prosas que me nutram a alma, a urgência de não perder tempo com tolices, nem com bobagens, e muito menos com a vida alheia, pois não há mais tanto tempo para bem cuidar do tempo que a mim pertence. Vivo a urgência dos pés no chão, de sonhos bem planejados sendo concretizados. E de devorar livros também vivo a urgência.
Vivo a urgência que as rugas me trazem e por isso sou capaz de amá-las. Vivo a urgência feliz de quem se entrega ao que precisa ser feito, ser dito, ser encerrado, sem senões, sem grandes questionamentos, na mais absoluta paz. Vivo a urgência da minha entrega, e nesta entrega encontro Deus nesta urgência. E vivo a urgência de tê-Lo em mim, se manifestando, todos os dias. Se a ânsia de viver realmente envelhece, vou estar velhinha, em breve.