Sem parágrafos
Iniciei o ano, em luto. Vivi um ano de profunda saudade da minha madrinha. Vivi dias de tristeza, de lembranças, de vontade de rever, de reencontrar, de desejo de um abraço, de um elogio daquela que me abriu as portas de sua casa e de seu coração, sempre, ilimitadamente, me concedendo a chave de ambos. Perdi um poço, sem fundo, de carinho, proteção e cuidados, de risadas, brincadeiras, admiração recíproca. Perdi alguém que rezava por mim todos os dias, várias vezes ao dia, e que me amou como filha, tenho certeza. Guardo em minha casa suas lembranças, seus presentes e no meu coração suas palavras e a nítida recordação da delicadeza de suas mãozinhas. E fiquei com a herança da amizade e do carinho de sua filha, minha afilhada. Passei meu aniversário de forma simples, junto ao meu marido, filhos e noras. Mesmo assim, sentindo dor, patrocinei cafés e encontros com os mais amados, visitei várias cachoeiras, cidades, comemorei aniversário de amigos, ri, trabalhei intensamente. Vivi a melhor Semana Santa da minha vida, redimensionando a minha fé, de forma a não vivê-la somente de maneira sensitiva, mas atuante. Tentei viver o que propago. Celebrei o lançamento do livro de um dos meus cunhados. Tive duas viagens nas férias. Apreciei entardeceres e amanheceres. Não fechei os olhos a nada do que foi me proporcionado, apreciando belezas indescritíveis, mesmo no cotidiano. Tirei inúmeras fotos de mim mesma, dos meus, do que tive vontade de compartilhar no anseio de que alimentasse a alma de outros também. Assisti um dos filhos a defender sua tese de doutorado, vivi a alegria de ver a firmeza de suas palavras e de minha nora ao demonstrar o amor dela por ele. Fiz palestras, passei um pouco de minhas experiências, dancei muito e repetidas vezes, sem nenhuma timidez, pois sempre entre aqueles que não me julgam. Estudei muito, li dezenas de livros, alguns discutidos na nossa comunidade literária. Abracei e conheci pessoas incríveis. Senti frio, calor, estreei vestidos, casacos e sonhos. Reformei a casa da minha mãe, que não consigo dizer que é minha, no meu coração continua sendo a casa da minha mãe. Celebrei os noventa e três anos de minha sogra, com toda a alegria que me era possível. Fiz ginástica até falar chega. Vi minha personal inaugurar seu studio. Sofri a dor e o desconforto de tristezas e decepções de pessoas a quem muito amo. Senti a dor, a tristeza e o desconforto como se fossem minhas, e são. Vivo a esperança do retorno breve de uma sobrinha há algum tempo internada. Coloquei dois stents numa coronária doente, sabia que isto aconteceria algum dia, pela história familiar que carrego no sangue, mas pensei que seria mais adiante. Voltei rápido a tudo o que amo, não parei, pois meus dias não são tão longos quanto eu desejaria que fossem e sei que breve é a vida, por mais longa que pareça aos olhos dos outros. Carrego sonhos e ilusões sem medo. Hoje, não temo mais na-da. Reinaugurei a Associação Médica de Itaúna, após sua reforma, desejando que ali os colegas se encontrem para fortalecer o estudo, a união e a força da classe médica. Me empenhei o mais que pude na festa de Nossa Senhora das Graças, e encontrei tanta amizade e carinho em todo o grupo empenhado neste objetivo. Conheci pessoas aqui do bairro que são maravilhosas e cuja dedicação e zelo são exemplo para mim. Hoje, enfeitei minha casa para o Na-tal, o qual espero com ansiedade de criança. Nesta semana, com o coração alegre, serei homenageada pelo Rotary, embora eu não compreenda bem o motivo. Há tantos tão brilhantes! Eu sou ainda muito pequena. Mas, tenho planos, e neles estão incluídos o amor e a empatia ao próximo. Que Deus me ajude, como tem feito desde sempre. Fiz uma retrospectiva antes de finalizar o ano, sem parágrafos, como a minha vida, intensa e densa, sem parágrafos.