De Volta ao Pai
Ela tinha vinte e seis anos quando se tornou minha madrinha de batismo. Fico a imaginar como foi que meus pais a escolheram e o jeito com o qual ela abraçou o convite. Era jovem e pode me acompanhar em todas as etapas da minha vida, desde a minha infância até a o meu adentrar nessa quase terceira idade. Foi presença marcante, soube ser.
Na infância, sempre me incentivou a ler dezenas de livros e se hoje sou devoradora deles, devo isso a ela. Meu amor por vestidos também vem daí. Ela me presenteava com os mais bonitos enquanto eu era menina e depois, além de manter os presentes, sempre elogiava o vestuário que eu havia escolhido. Enquanto passava roupa, ela me colocava sentada num móvel bem próximo a ela e inventávamos redações e histórias, hábito que cultivei com meus filhos, enquanto pequetitos. Se o bolo que fazia não ficasse perfeito, era culpa minha, que vivia tagarelando em sua cabeça. Se ela precisasse sair durante a tarde, fosse para o que fosse, até para coisas chatas, como ir ao banco, eu apressava meu dever de casa para ir junto. Ensinou-me a não precisar de ninguém para minhas tarefas escolares e desenvolveu em mim um senso de independência muito grande, mesmo que não percebesse isto. Trabalhou minha auto estima, mesmo sendo uma pessoa tão preocupada com a opinião alheia.
Muitas vezes, cortava os seus cabelos num desses salões mais sofisticados da capital e voltava mais bonita ainda. Depois, era uma dificuldade danada de manter o penteado. Eu a via diante do espelho, com suas roupas de renda, suas blusas bordadas e eu a admirava tanto.
No dia de seu casamento, deixei um dos presentes cair no chão e quebrar. Não levei nenhuma bronca, não houve nenhuma expressão negativa no seu semblante. Ela casou com o homem mais educado e justo que conheci, além de muito bonito. Ela o merecia. Esse foi mais um presente dela para mim. Tive um tio maravilhoso, que amou a mim e a minha família, intensamente.
Depois, numa fase seguinte, quando fui muito jovenzinha estudar em Belo Horizonte, esteve comigo nos meus momentos de maior solidão, ouvindo músicas na sala do apartamento onde eu morava, trocando ideias, observando a cidade. Íamos à missa na Igreja da Boa Viagem, e foi com paciência e apreço que conheceu meus colegas, meus vizinhos, os amigos que aos poucos me cercavam. Gostava do shopping e enquanto eu almoçava direitinho, ela se deliciava com os sanduíches do Mac Donald. Quando entrei para a faculdade, fez festa. E me presenteou com o maior de todos os presentes, sou madrinha de batismo de sua única filha. Prova máxima de sua confiança em mim, eu só tinha dezenove anos. Quando saí, e terminei a residência, me emprestou parte do dinheiro para eu comprar uma cota no Hospital Semper, onde trabalhei por algum tempo. E, sentiu orgulho ao ver com que rapidez paguei toda a dívida, sem faltar um tostãozinho.
Mais tarde, voltei para Itaúna, para assumir o matrimônio e ela me abriu os braços de tal maneira que não senti nenhum medo de toda a mudança que enfrentaria, de cidade, de estado civil, de hospital, de instalação de outro consultório, das idas a BH para os plantões no CTI da Santa Casa. Ela sempre me incentivando, certa de que eu estava no caminho devidamente escolhido. Pude observar o cuidado e o zelo com o qual cuidou de minha avó e de seus dois irmãos, meus tios, que envelheceram e precisaram de tanta ajuda em suas enfermidades. Humildemente, ela esteve sempre presente. Ao me casar, abraçou meu marido como seu afilhado e lhe fez tanto bem, que ele às vezes a chamava de fada madrinha. Quando da morte de meu irmão César, ficávamos um longo tempo, sentada na escada daqui de casa, conversando sobre ele e o ocorrido. E ela, fada madrinha, conseguia confortar meu coração e me dar coragem, mesmo sofrendo. Meus filhos foram tão amados, tão queridos, ela esteve sempre presente, levando para passear, inventava reveillons interessantes para eles, os carregava com tanto carinho, preparava lanches deliciosos, foi uma avó e não uma tia, apreciou cada evolução deles com alegria. E sempre comemorávamos. Numa de nossas festas, aqui em casa, de máscaras, suando de tanto dançar, ela enxugou a máscara e não o rosto debaixo da mesma, e me lembro o quanto rimos. Tudo o que eu amava, ela procurou amar. E o fez, de maneira brilhante.
Foi professora de jardim de infância, foi diretora, foi Ministra da Eucaristia, era vaidosa, bonita, tinha olhos verdes, tinha bons hábitos, era divertida, carinhosa, desprendida nos elogios. Gostava de dar bons presentes, de conversar, de passear pelas lojas, de chegar na Unimed e tomar um cafezinho, tudo rápido e bem adequado, para não atrapalhar.