O Reinado de Itaúna: Fé, Tradição e Cultura
Prof. Luiz MASCARENHAS*
Em meio a tantos ruídos do tempo presente, uma batida aguda, forte e ritmada , que vem de longe, envolta nas brumas do Tempo e da História, persiste em ressoar em nossos ouvidos e atiçar as nossas consciências: são os tambores de Mãe África que ardem no cimo do Rosário; não permitem e jamais permitirão que esqueçamos as dores, os prantos, os gemidos, os gritos, os açoites e as humilhações da escravidão. Escravidão é um tema longo e complexo. Hoje sabemos que a Escravidão já existia no continente africano antes da chegada dos europeus. E a relação entre senhor e escravo, tanto na África como na América, sempre foi baseada na violência, nos castigos e nas punições disciplinares. Na África, as pessoas se tornavam escravas principalmente devido as guerras entre as nações. Outra razão era a escravidão por dívidas: o endividado passava a ser escravo de seu credor. Contudo, nada disso minimiza ou diminui a culpa do elemento europeu; pois com a sua chegada na África ( séc. XV) o instituto da escravidão se acentua, se amplia, se otimiza; tornando-se um negócio altamente lucrativo; tanto para os africanos que escravizavam, mas principalmente para os europeus que traficavam escravos. Já no séc. XIX, se faz preciso assinalar a cruel voracidade do imperialismo das grandes potências da Europa, que retalhou e dividiu os antigos reinos africanos e forjou os atuais países (1884) sem nenhum respeito pelas suas Nações, povos, costumes e línguas; o que condenou o continente africano a uma história de misérias e desgraças. No Brasil, a consequência de 300 anos de escravidão é uma gigantesca dívida social e negar isto é ignorar a nossa própria História. Feitas estas primeiras e necessárias considerações, subamos para o Rosário. Para falar sobre o Reinado em Itaúna, útil será visitar uma de suas possíveis origens. A História do rei Galanga. Galanga era natural do Congo e ele e toda a sua tribo teriam sido escravizados e traficados para o Brasil e aqui chegaram no ano de 1740. Foram adquiridos pelo major Augusto, proprietário da mina da Encardideira, e foram levados para Vila Rica. Galanga, utilizando-se dos muitos artifícios que os escravos encontraram para esconder o ouro em pó das minas, conseguiu comprar sua alforria e a de seu filho. Mais tarde, já senhor de muitas posses, adquiriu a mina da Encardideira e aos poucos, foi alforriando seus compatriotas. Os escravos libertos consideravam-no “rei”. E como havia recebido um nome cristão – Francisco- chamavam-no de Chico Rei. Este grupo associou-se em uma Irmandade em honra de Santa Ifigênia, que teria sido a primeira irmandade de negros livres de Vila Rica. Ergueram a Igreja de Nossa Senhora do Rosário no Alto da Cruz( entre 1733 a 1785); uma vez que lhes era proibido frequentar as igrejas dos homens brancos. Durante a Festa de Nossa Senhora do Rosário, Chico, coroado como rei, aparecia com a rainha e sua corte, em ricas indumentárias, seguido por músicos e dançarinos, ao som de caxambus, pandeiros, marimbas e ganzás. Este cortejo antecedia a Missa . O povo de Vila Rica ao presenciar tal festejos dizia: “veja o Reinado de Chico Rei”… Diversos grupos de congado evocam Chico Rei como sua origem; embora muitos historiadores contestem esta versão, uma vez que não há comprovações ou registros históricos fidedignos de sua existência. Voltando à nossa Itaúna, hoje sabemos que o antigo Arraial de Sant’ana do rio São João Acima de Pitanguy teve grande fluxo de escravos. Vários quilombos existiram ao derredor de nosso território, como Caetano Preto, entre Itaúna e o Pará de Minas e na Serra do Elefante em Mateus Leme, dentre outros. Nas horas de suas folgas, os escravos construíram sua Capela do Rosário no largo, por volta de 1840 e que depois foi trocada pela Matriz de Sant’ana, em 1853. Desde esse recuado tempo, perdura a vistosa e colorida procissão de Nossa Senhora do Rosário acompanhada de suas guardas, entre a Capela Nova e a velha Matriz ( hoje entre a Matriz de Sant’ana e a Igreja do Rosário). Atualmente fazem o Reinado de Nossa Senhora do Rosário em Itaúna 13 Guardas de Congo; a saber: Guarda de Moçambique de São Benedito, Guarda de Candombe Nossa Senhora do Rosário, Guarda de Congo Nossa Senhora do Rosário, Guarda de Vilão da Vila Popular, Guarda de Catupé Nossa Senhora Aparecida, Guarda de Moçambique de Santa Ifigênia e Nossa Senhora do Rosário, Guarda de Moçambique Santa Cruz, Guarda de Congo Nossa Senhora Sant’ana de Itaúna, Guarda de Congo Virgem do Rosário, Guarda do Império Nossa Senhora do Rosário, Guarda de Congo Santa Edwirges, Guarda de Moçambique Nossa Senhora do Rosário, Guarda de Congo Divino Espírito Santo M.N. Cada uma delas representa um momento da história mítica de Nossa Senhora do Rosário ou da cultura afro e, as pessoas que as compõem, identificam-se através de um tipo de canto, percussões, vestuários e linhagens de famílias. Os Moçambiques, por exemplo, são um dos mais tradicionais grupos de congo da nossa região e eles representam o povo que ficou à beira do mar chamando a Senhora do Rosário, entoando cantos, sem dar as costas. Por isso, quando os Ternos de Moçambiques chegam a algum lugar eles saem – geralmente – de costas, justamente para prevalecer esse conto. Os Moçambiques são os congadeiros mais tradicionais e entoam cantos de manifestação da fé. São caracterizados por latinhas ( as gungas) amarradas em suas canelas. Os ternos de Catupés surgiram da influência indígena e utilizam-se de outras cantorias e melodias mais lúdicas. Os Marujos ou Marinheiros têm origem moura e fazem uso de caixas e chocalhos simbolizando, através do canto, a submissão final dos mouros ao poder dos cristãos. Os candombes são mais festivos e o terno de Vilão representa, na oralidade, os jovens escravos que trabalhavam nas fazendas e engenhos e por isso suas danças fazem referência aos conflitos que ocorriam. Estas denominações são singularidades que os ternos de congado representam, pois é possível haver mais de um grupo da mesma estrutura, porém com sua própria identidade. Cada guarda possui seu capitão( ou capitã) e este é identificado pelo bastão que traz em sua mão; é o símbolo de sua autoridade. Na década de 30, o então Arcebispo de Belo Horizonte proibiu os folguedos do Reinado, buscando “romanizar” a Igreja Mineira…Deste fato, os congadeiros ergueram a “igreja de cima” para nela celebrarem seus cultos. Somente com a intervenção do Cônego José Ferreira Netto, as guardas e a Diocese restaram seus laços e voltaram a executar o congado na antiga Igreja do Rosário. Uma presença significativa marca e dá um brilho muito especial ao Reinado em nossa cidade: a Guarda de Candombe Nossa Senhora do Rosário formado apenas por mulheres! Que maravilhoso e rico simbolismo elas trazem! Evoca Dandara, Luíza Mahin, Chiquinha Gonzaga, Tia Ciata, Carolina Maria de Jesus, Elisa Lucinda, Benedita da Silva e tantas outras mulheres negras de liderança e de destaque em nossa Sociedade! Concluindo, o Reinado de Itaúna é uma preciosa manifestação da Fé de nossa gente, com traços de sua matriz africana. O Reinado pertence ao nosso Patrimônio Imaterial; e é uma riqueza cultural imensa, que mantém viva a Fé e a identidade dos nossos irmãos afrodescendentes. Deverá ter sempre o apoio do Poder Público, da Igreja e da Sociedade civil, para que seja preservado e apoiado em suas manifestações. PARABÉNS a todos os Congadeiros de Itaúna! Nossa profunda reverência à Rainha Perpétua Conceição Basílio ( Dona Sãozinha) e a Rainha Conga Maria Ana de Oliveira Vitor ( dona Mariana) e ao nosso Rei Congo Dilermando Vitor de Oliveira! Salve o povo negro que com suor e sangue construiu a riqueza e a grandeza de nosso Brasil! SALVE MARIA! (Esta pesquisa foi realizada por mim mesmo)
*Bacharel em Direito / Licenciado em História pela UNIVERSIDADE DE ITAÚNA Historiador/ Escritor/ Membro Fundador da ACADEMIA ITAUNENSE DE LETRAS/ Autor de “Crônicas Barranqueiras” e coautor de “Essências”, “Olhares Múltiplos” e “O que a vida quer da gente é coragem”/ Cidadão Honorário de Itaúna
Foto: Adilson Nogueira
É um prazer ler uma pesquisa tão bonita e completa sobre reinado, parabéns Prof. Luiz Parreiras e muito obrigado por compartilhar comigo.
É um prazer ler uma pesquisa tão bonita e completa sobre reinado, parabéns Prof. Luiz Mascarenhas e muito obrigado por compartilhar comigo.